Natal, e não Nevoeiro
Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
pois aí ainda fica mais frio
e se a gruta aquece nuns momentos
tomba a humidade nos ossos friorentos
ossos presépio, ossos prédio,presídio esses ossos
nossos e vossos que nuns friorentos momentos
nesses húmidos calabouços são destroços
ossos
em bojos de navios pavios
que os carregam aLÉM da barra
ossos em seus corpos erradios
que à tonta carne s'agarra
nesse prédio amanhã demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
nesses ossos sinistros e pequenos
que até nos chegam ao ouvido
Entremos e depressa, em sítio qualquer
porque esta noite chama-se Nevoeiro,
das suas brumas pois Deus o quer
sai do bojo da noite navio traiçoeiro
nave da morte fantasma errante e vadio
que nos corta a vida em grito mudo
porque sofremos, porque temos frio no vazio
e a fraca carne da vida não é escudo
Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, dez milhões de nada feitos.
pois a nave da morte engole-nos em momentos
e na morte nós portugueses somos perfeitos
Entremos, despojados, mas entremos.
pois é o que nos dita a triste sorte
só quando partimos é que vivemos
na universal consoada da morte.